Para acessar essa funcionalidade é necessário fazer login! Caso ainda não seja cadastrado, por favor, efetue seu cadastro.
Até 2015, os municípios que tiverem mais de 20 mil habitantes deverão elaborar planos de mobilidade urbana, atrelados aos planos diretores, conforme determina a Lei Federal 12.587, de 2012. De acordo com o mestre em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor do livro Comentários à Lei de Mobilidade Urbana, esse é o marco regulatório que faltava para o setor. Por outro lado, as cidades estão despreparadas para cumprir com a legislação. O assessor jurídico da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), palestrista e consultor de entes públicos e privados, defende nesta entrevista a educação para a mobilidade urbana, o que, segundo ele, é o maior entrave para a área. Spano participou de uma das reuniões preparatórias para o evento Mobilidade Urbana – Construindo Cidades Inteligentes, que será realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no 1º semestre de 2013.
Quais os princípios mais importantes do direito à mobilidade? E quais as condicionantes?
O artigo 5º da Lei de Política Nacional de Mobilidade Urbana enumera nove princípios, todos eles relacionados à promoção da melhoria e segurança da circulação e deslocamento de pessoas e cargas no contexto urbano. Em caso de conflito circunstancial entre os princípios será adotada uma preponderância eventual de um sobre outro, conforme o caso demandar. De qualquer forma, a sustentabilidade das cidades e da convivência cidadã, conforme dispõe a Lei 12.587, parece o princípio mais abrangente.
Quais os principais entraves à questão da mobilidade urbana no Brasil e em Belo Horizonte?
O maior entrave ainda é a falta de educação para a mobilidade entre os brasileiros, que, em sua maioria, até sabem se conduzir adequadamente quando em viagem ao exterior e se espelham na cultura local quando lá estão, mas não repetem essa postura quando se deslocam em transporte, motorizado ou não, em nossas vias públicas. Outro entrave é que ainda está sendo travada uma guerra entre modais, contaminando um pouco a escolha para cada local, a qual deve considerar, preferencialmente, componentes técnicos, econômicos e geográficos, nessa ordem de importância.
Como o senhor avalia o atual estado da mobilidade urbana na Região Metropolitana de Belo Horizonte? Como resolver o problema?
O problema da Capital não é muito diferente do de outras metrópoles brasileiras, senão pelo fato de ter sido, ao menos inicialmente, uma cidade planejada do ponto de vista urbano. Mesmo aqui, a cultura do “puxadinho” egoísta e da burla inconsequente a normas básicas gera transtornos. O que também acontece é que planejamento e mobilidade urbanos têm prazo de validade e são assuntos sobre os quais o trabalho em curto prazo não traz resultados significativos. A solução não pode ser populista nem pontual. Tem que ser conceitual e com vistas ao benefício coletivo e mais duradouro possível. Sem dúvida, o estado atual é consequência de um planejamento ineficiente no passado e da tolerância ao individualismo. A ordem se estabelece com técnica, leis e sanções objetivas e inegociáveis.
Os municípios com mais de 20 mil habitantes estão preparados para elaborar planos de mobilidade urbana em até três anos, conforme estabelece a Lei Federal 12.587?
Tenho prestado consultorias a diversos municípios e no interior ouço sempre o mesmo discurso. Todos se dizem despreparados para os desafios da mobilidade e, com raríssimas exceções, essa é a pura verdade. Não há técnicos nem investimentos nessa área. A lei nacional veio chacoalhar o setor, e quem não se preparar perderá o direito a recursos federais para a mobilidade.
Qual a importância dessa legislação?
É o marco regulatório que faltava, uma norma de ordem pública, o que significa que a ela todos os entes federativos e cidadãos se submetem. Sem ela algumas necessidades dos municípios não podiam ser reguladas e aplicadas. A lei é um conjunto normativo intermediário. Conjunto porque consolida em texto único de princípios, diretrizes, objetivos e medidas mitigadoras das externalidades negativas que o uso iníquo da via pública provoca. Intermediário porque cumpre comando constitucional e, ao mesmo tempo, impõe regramentos que o complementam conforme o âmbito estatal a prover. A lei agrega valores fundamentais, na medida em que se propõe a fomentar a inserção cidadã através da acessibilidade que promove a cada um em todos os níveis.
Qual a diferença entre educação para o trânsito e educação para mobilidade?
A educação para o trânsito forma o cidadão visando sempre ao trânsito seguro. Portanto, tem foco no direito à vida e na preservação dela. A educação para a mobilidade prepara o cidadão para a acessibilidade universal e a sustentabilidade nos deslocamentos de pessoas e cargas. Portanto, tem o foco na qualidade de vida. Existem outras distinções de ordem legal, mas nada impede que onde uma estiver presente, a outra também esteja.
O senhor disse que há uma guerra entre os modais de transporte hoje no Brasil. Quais as principais consequências disso?
A primeira é que arrasta a solução, porque a discussão sobre qual modal deve ser adotado em cada contexto é feita sob pressão dos investidores interessados, e não focada em torno do interesse público, gerando também por isso um risco para a escolha acertada. A guerra é própria da economia de mercado e pode ter efeito positivo ou não, conforme a seriedade com que são travados os debates, mas, sem dúvida, a discussão toma tempo, o que, a essa altura, aumenta o caos urbano e posterga o almejado desenvolvimento sustentável.
Em relação à sustentabilidade, quais as principais medidas que precisam ser tomadas pelos setores públicos e privados para que ela seja efetivada?
O princípio da sustentabilidade não concerne apenas às questões de meio ambiente, mas impõe também a necessidade de viabilizar social e economicamente as delegações e a fruição dos serviços de transporte coletivo urbano. Os princípios aplicáveis à mobilidade refletem a imprescindibilidade da ordenação sustentável dos deslocamentos com o objetivo de garantir e devolver aos citadinos dois bens preciosos perdidos: o tempo e a vida digna e saudável. A lei estabelece dois nortes seguros: a prioridade do transporte coletivo sobre o individual e do não-motorizado sobre o motorizado. Todas as medidas com esses focos são bem-vindas.
A próxima matéria da série sobre a mobilidade urbana será publicada na quinta-feira (25).
Conceitos, expressões e termos usados com frequência