Para acessar essa funcionalidade é necessário fazer login! Caso ainda não seja cadastrado, por favor, efetue seu cadastro.
Um dos primeiros sistemas rodoviários do mundo foi projetado na década de 1930 em Nova York, uma enorme e avançada malha de rodovias projetada com capacidade para mais de 20 anos. Contudo, 18 meses depois de inaugurada, sua capacidade havia sido atingida. Decidiram, então, ampliá-la, mas de novo foi atingida rapidamente. A lição que se pode tirar desse caso é que não importa quantas rodovias sejam construídas, elas sempre atingirão sua capacidade máxima. Essa história é contada em uma publicação da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP, Cadernos temáticos, Sistemas Inteligentes de Transportes, 2012).
Assim, conclui a ANTP, o novo paradigma em infraestrutura de transportes se baseia não apenas em investir trilhões de dólares em concreto, mas também em tornar a infraestrutura existente mais eficiente, inteligente e interligada. Inclui também, cabe acrescentar, um olhar voltado à educação para o trânsito. Esse é um dos temas discutidos no Fórum Técnico Mobilidade Urbana – Construindo Cidades Inteligentes. O evento, formatado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), abordou o assunto, que também é tratado em série de matérias.
Que tipo de ações podem ser desenvolvidos na área de educação para melhorar a mobilidade urbana? Para a psicóloga e coordenadora da Gerência de Educação para o Trânsito do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-MG), Rosely Fantoni, primeiramente é importante que toda a cidade esteja preparada e propicie às pessoas condições para se deslocar no espaço urbano e realizar atividades cotidianas em tempo considerado ideal, de modo confortável e seguro. As calçadas devem possuir piso adequado, seguro, sem buracos ou obstáculos, por exemplo.
“A educação orienta, informa e prepara o indivíduo para utilizar e preservar o espaço público, respeitando também o direito do outro. Bons exemplos em casa, orientação e informação repassadas na escola, campanhas permanentes e o apoio da sociedade são fundamentais para que a sociedade não só se desloque e aproveite de forma segura o espaço público, mas também cobre das autoridades constituídas o seu direito de ir e vir”, diz Rosely, que acumula outros títulos que a credenciam a falar do assunto. Ela também é membro titular da Câmara Temática de Educação para o Trânsito e Cidadania do Conselho Nacional de Trânsito, especialista em Psicologia de Trânsito e mestranda em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência pela Faculdade de Medicina da UFMG.
A coordenadora conta que o DER-MG, órgão encarregado da construção, manutenção e operação de rodovias, inovou ao fazer a integração da educação para o trânsito dentro de sua proposta de ação. Isso permitiu uma atuação conjunta com a engenharia, a fiscalização e a operação e aproximou o órgão ainda mais da sociedade, de acordo com ela. “Atuamos desde 1989 com um programa permanente de educação para o trânsito e conseguimos, num esforço conjunto, que as atividades que acontecem em todo o Estado integrem não só os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito como, também, organizações não-governamentais, parceiros e comunidade”, afirma.
Rosely destaca que algumas experiências mudaram a forma de atuação da Gerência de Educação para o Trânsito. Ela cita como exemplo o trabalho de educação para o trânsito desenvolvido nas cidades contempladas pelo programa Proacesso, coordenado pelo DER-MG. Essa ação de pavimentação de ligações e acessos rodoviários aos municípios tem como objetivo geral contribuir para o desenvolvimento socioeconômico de cidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e precária conexão com a rede viária principal, por meio da melhoria e pavimentação da infraestrutura rodoviária de acesso.
“A partir do início das obras do Proacesso, começamos um trabalho de acompanhamento da comunidade, que é contemplada com um programa de orientação e capacitação de professores e formadores de opinião, que preparam os usuários da via para receberem o asfalto com maior atenção aos cuidados que devem ter a partir da pavimentação da estrada. É um trabalho preventivo inovador, que contribuiu significativamente para a redução de possíveis acidentes que poderiam ocorrer sem o preparo da comunidade”, observa.
Detran defende educação para o trânsito
O acidente de trânsito, hoje em dia, é algo previsível, pois, em sua maioria, está intimamente ligado à questão comportamental. Os índices são alarmantes, tratando-se de questão de urgência social. A opinião é da coordenadora de Educação de Trânsito do Detran-MG, Maria Cecília Lopes de Abreu. “Dentro desse contexto, a reversão do número e da gravidade dos acidentes de trânsito ocorrerá efetivamente por meio da introdução do tema transversal trânsito, a ser trabalhado de forma interdisciplinar no projeto pedagógico das escolas de educação básica do Estado”, avalia.
Segundo Maria Cecília, a educação para o trânsito ultrapassa a mera transmissão de informações. Seu foco central é o desenvolvimento de valores, comportamentos e atitudes cidadãs no trânsito. Portanto, não se limita a eventos esporádicos e ações descoordenadas. Pressupõe um processo de aprendizagem continuada, utilizando metodologias diversas visando a atingir diferentes faixas etárias e público diferenciado.
“Assim, o aprofundamento e a exploração do tema trânsito como uma prática educativa cotidiana não significa a inclusão de matérias ou disciplinas específicas, mas permearão todo o currículo nos diferentes níveis e modalidades de ensino, ajustando-se, por isso, à idade do estudante e ao nível de aprendizagem”, observa a coordenadora do Detran-MG, que oferece, em parceria com a Secretaria de Estado de Educação, o curso de capacitação de educadores de trânsito.
Ela defende que o tema trânsito integre de forma obrigatória o projeto pedagógico de todas as escolas da rede pública de Minas Gerais, envolvendo o conjunto dos professores de cada educandário. “Sem essa obrigatoriedade, o ensino do tema trânsito, não eleito nos Parâmetros Curriculares Nacionais como tema transversal, fica a critério de cada escola, contemplado de maneira casual por um número reduzido de professores no universo escolar, cujo ensinamento não permite realmente fomentar comportamentos, desenvolver atitudes e potencializar valores”, completa.
Para Maria Cecília, ações educativas destinadas às escolas devem estar voltadas para pedestres e ciclistas, que representam o público-alvo das escolas de educação infantil, educação básica e ensino médio. Rosely Fantoni concorda e complementa: “ A escola tem papel importante na orientação da criança como pedestre, ciclista e passageiro. O foco jamais deve ser o de formar futuros motoristas”.
Rosely entende que não é necessária a existência de uma disciplina para que o conteúdo “trânsito” possa ser trabalhado na escola. A portaria do Denatran nº 147, de 2009, define as diretrizes nacionais da educação para o trânsito e orienta como trabalhar com o tema na escola de forma transversal. “Um dos fatores que dificultam trabalhar trânsito como tema transversal é a necessidade de capacitar o professor para essa proposta”, ressalta.
De acordo com a coordenadora do DER-MG, o educador desconhece a importância do tema e pensa que, porque não possui carteira de habilitação, não está habilitado a ensinar os cuidados que a criança deve ter para ter sua integridade física preservada. “A relevância do tema pode ser justificada com dados do Ministério da Saúde, que apontam os acidentes de trânsito como a principal causa de morte por fatores externos na faixa etária dos 5 aos 14 anos”, frisa.
Acidentes de trânsito são problema de saúde pública
Menos da metade dos países dispõe de uma legislação para combater os fatores de risco nas estradas. Como o Brasil está nesse contexto? “A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou uma pesquisa realizada em 178 países, nos quais verificou o alarmante aumento do número de mortos no trânsito”, informa Rosely. Segundo ela, ferimentos causados por acidentes de trânsito são um problema de saúde pública, principalmente nos países de média e baixa renda.
Pesquisa da OMS indica que morrem no mundo cerca de 1,3 milhão de pessoas todos os anos por causa da violência do trânsito, enquanto 20 a 50 milhões ficam feridas. Segundo a pesquisa, cinco fatores de risco deveriam ser trabalhados pelos países objetivando reverter o número de mortos no trânsito: velocidade, álcool, cinto de segurança, uso do capacete e utilização de dispositivos de segurança para o transporte de crianças. “O Brasil possui legislação que regulamenta todos esses cinco fatores. A grande questão em nosso país é fazer valer o que determina a lei. Neste ponto sofremos com a dificuldade de fiscalização e punição rápida e eficaz daqueles cidadãos que insistem em descumprir as normas”, afirma Rosely.
Ela completa o raciocínio com uma constatação: “A criação de uma agência nacional de segurança do trânsito é considerada como fundamental e estratégica para que o País possa desenvolver um planejamento, integre os diversos órgãos envolvidos e desenvolva ações que objetivem a redução dos acidentes e vítimas no trânsito. Infelizmente o Brasil não dispõe deste instrumento claramente designado e com poderes”.
Conceitos, expressões e termos usados com frequência