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Através da Resolução 5.437, de 2013, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) restitui simbolicamente o mandato do deputado estadual Armando Ziller. O ato não é a primeira iniciativa da Assembleia de Minas para resgatar a trajetória do ex-parlamentar, que teve o mandato cassado em 1948, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra. Em 2000, foi lançada a Coletânea Memória Política de Minas, organizada a partir de entrevistas realizadas com personalidades da vida pública mineira, mesclando a história pessoal dos entrevistados e os acontecimentos políticos. Ziller é retratado no terceiro volume da série, disponível na biblioteca da Assembleia.
O político mineiro, na verdade, nasceu no Rio de Janeiro, em 3 de setembro de 1908. Mas antes mesmo de concluir sua vida escolar deixou o litoral para subir as montanhas e fazer os estudos secundários em Juiz de Fora (Zona da Mata). De 1932 até sua morte, em 1992, militou no Partido Comunista Brasileiro. Em depoimento aos historiadores, ele contou que, ao decidir abraçar a bandeira comunista, nem ao menos tinha ouvido falar em qualquer de suas lideranças. “Não foi o Lenin que me trouxe para o comunismo, foi a Bíblia. Na primeira vez em que ouvi falar de comunismo, perguntei: 'O que é isso?' Me explicaram. Eu disse: 'Mas é isso que eu estou querendo!''.
Ainda segundo o relato de Ziller, foi com o livro sagrado que ele aprendeu um dos princípios basilares da vertente ideológica, “por tudo em comum”. Sua adesão ao partido se deve, sobretudo, à ideia de que a socialização da propriedade, das riquezas e das oportunidades era a solução proposta inclusive pela Bíblia. Para ele, a religião deveria se colocar a serviço do povo, “tinha que resolver os problemas do povo”.
Enquanto o próprio Lenin forjava uma União Soviética ateia e via a religião como uma ferramenta de alienação, Ziller encontrou sua motivação nela. Embora o PCB tenha encontrado um devoto fiel, Armando Ziller não botava fé em uma carreira política. Em seus depoimentos, ele explicou que não tinha a intenção de concorrer a um mandato eletivo, mas que “foi sendo arrastado pelos acontecimentos”.
Em 1945, o PCB tinha 5 mil filiados e, em 1947, este número chegou a 180 mil, segundo Ziller. |
Armando Ziller explicou aos entrevistadores da coletânea que, em 1945 o partido contabilizava 5 mil filiados e que este número chegou a 180 mil em 1947. De acordo com ele, o PCB tinha avançado e pretendia concorrer em todas as eleições. “Eu não sabia pedir voto”, confessou o então candidato que, apesar de desconfiar do próprio êxito, obteve 2.145 votos naquele pleito. Foi o quarto mais votado em Belo Horizonte na eleição de 1946.
Já sob o efeito da guerra fria, no dia 7 de maio de 1947 o PCB teve seu registro cassado, para conter o avanço da “onda vermelha”. Em seguida, o Ministério do Trabalho decretou a intervenção nos sindicatos. O partido apelou ainda para o Judiciário, requerendo habeas corpus para o livre funcionamento das suas sedes, mas o pedido foi negado. Na esteira da exclusão do partido, vieram a cassação dos mandatos de todos os parlamentares que haviam sido eleitos pelo PCB. Em outubro de 1947, o presidente da República Eurico Gaspar Dutra rompeu as relações diplomáticas do Brasil com a União Soviética.
Constituinte – Antes de ser cassado em janeiro de 1948, Ziller participou entusiasticamente da elaboração da Constituição do Estado. Já nos primeiros meses na ALMG, o militante contrariou o ditado popular de que “uma andorinha só não faz verão”. Ele relatou que o Comitê Nacional do Partidão construiu um projeto para a constituinte federal, que foi adaptado para o âmbito estadual. Segundo ele, a apresentação do texto aos colegas de Parlamento causou surpresa. “Eles têm um deputado só e, ainda assim, apresentaram um projeto!”
“Os constituintes deram valor ao trabalho do partido. Mimeografamos o projeto e demos uma cópia para cada deputado. Foi bonito...”, comemorou Ziller. Os discursos e proposições do deputado foram bastante explorados pelos historiadores. Esses destacaram os pronunciamentos e projetos do deputado a respeito da questão fundiária, que costumavam “colocar fogo no Plenário” e marcaram a trajetória do parlamentar.
Em depoimento para a coletânea, dois discursos foram lembrados em especial. Em outubro de 1947, Ziller defendeu proposição que estabelecia impostos progressivos sobre terras improdutivas e alertou sobre o constante êxodo rural, que estava “inchando” a Capital mineira e propiciando o surgimento de favelas.
Para o deputado, a medida tinha como objetivo forçar as propriedades rurais a se tornarem produtivas. “Esse é o verdadeiro interesse da reforma agrária”, salientou. De acordo com ele, os parlamentares do setor reagiram com fúria. “Deputados que não se levantavam por nada, naquele dia se levantaram”.
Piano, violino, martelo e foice
A música uniu Armando Ziller a Filomena Mellilo. Ele a conheceu ainda em Itararé (SP). O pai da moça era proprietário de um cinema, onde os jovens se encontravam para exercitar música clássica. Como havia praticado anos antes violino em um seminário, foi convidado a se juntar ao grupo. Dentre eles, estava Filomena. “Fui, toquei e deu certo. E ela era pianista. Piano e violino combinam.”
O desejo de casar com Filomena falou mais alto e o levou a pleitear uma vaga na “cidadela do capitalismo”. Depois de sucessivos fechamentos do negócio da família (estabelecimentos de ensino), o pai, João Ziller, sugeriu que ele fizesse o concurso do Banco do Brasil. Ele reagiu perplexo à proposta. “O que eu vou fazer lá dentro?”. Ziller considerava a instituição “a raiz de todo mal”, o “caixa-forte” do capitalismo. Mas resolveu disputar o cargo para ter condição “de tirar a moça de casa”.
Em 1933, Ziller é nomeado para trabalhar na segunda maior agência bancária do Brasil, a de Santos. “Na manhã do dia seguinte em que cheguei, apresentei-me ao banco; de tarde entrei para o sindicato”. A partir daí, dividiu-se entre as atividades do partido e do movimento sindicalista. Ele chegou a presidir o Sindicato dos Bancários de Curitiba e de Belo Horizonte e a Federação dos Bancários. Liderou importantes greves, como a nacional de 1934. A pauta reivindicava desde o fim do nazismo até a jornada de trabalho de seis horas para os profissionais da categoria.
Além de ter aderido à ideologia comunista devido à Bíblia, Ziller coleciona outras particularidades que eram motivo de estranhamento por parte de seus pares tanto no movimento comunista como no sindicalista. Ele declarou aos organizadores da coletânea que não considerava o banqueiro como inimigo. “Nunca tratei o patrão como inimigo. A classe dele é inimiga da minha, mas isso não quer dizer que ele seja meu inimigo”. Mesmo em tempo de posicionamentos radicais e pontos de vista petrificados, Ziller dizia acreditar no diálogo.
Essa também é a visão de Antônio de Faria Lopes, companheiro de Ziller no sindicato dos bancários e ex-deputado estadual por Minas, eleito em 1982. Lopes contou que era um rapaz franzino quando ingressou no Banco do Brasil. Conheceu o dirigente sindical aos 22 anos em 1959, na agência de Belo Horizonte. “Ofereci-me para ajudá-lo a distribuir um comunicado do sindicato. Ele me olhou com desconfiança, mas logo nos tornamos amigos”.
Para o amigo, uma das virtudes de Armando era sua capacidade retórica e sua coerência. Lopes lembrou os gestos peculiares adotados por Ziller nos processos de negociação. Até o lugar onde se sentar se tornava uma estratégia persuasiva para o experiente sindicalista. “Armando confiava na palavra dos outros e sempre mantinha a dele”, lembra Lopes, que ainda enfatizou que as conquistas prometidas a Ziller, nas reuniões do sindicato com os banqueiros, eram cumpridas à risca “sem precisar colocar no papel”.
O filho do comunista convicto, Arnaldo Ziller, também afirmou que a coerência era uma das virtudes mais admiráveis do pai. Ele recordou que Armando teve oportunidade de se filiar a outros partidos, mas que ele não aceitou oferta alguma. “Para meu pai, a resposta para o fim das desigualdades sociais era o comunismo. Ele não se sentiu no direito de desistir do ideal comunista nem mesmo por um cargo político. Ele colocava esse ideal acima até mesmo de sua vontade, e muitas vezes adotou determinada conduta para manter-se fiel à proposta do partido”, ressaltou.
Desmoralizar é verbo reflexivo
Antônio Lopes rememorou momentos difíceis na vida de ambos. Com a ascensão do regime militar, eles foram julgados e condenados em 13 agosto de 1965. O motivo da condenação: eram líderes do sindicato dos bancários. Antônio Lopes foi condenado a 18 anos de prisão e foi demitido do Banco do Brasil. Ziller já se encontrava na Europa, onde se exilou.
Antes da Lei da Anistia (Lei Federal 6.683, de 1979), eles foram obrigados a conviver com a injustiça e a perseguição. Lopes chegou a cumprir um ano e meio de prisão em Juiz de Fora. Armado Ziller não pôde ao menos dizer adeus ao filho Armando Ziller Júnior, que faleceu quando ele ainda estava no exílio. Lopes foi readmitido pelo Banco do Brasil em 1980 e contou que Ziller foi aposentado, pois já contava com 72 anos ao regressar ao País.
De volta ao Brasil, Armando Ziller se dedicou a trazer o Partido Comunista para a legalidade, o que ocorreu com a redemocratização em 1985. O PCB foi fundado em 1922 e é considerado o partido mais antigo do País. Mesmo depois da cisão da legenda, Ziller continuou militando, até sua morte em 17 de maio de 1992.
A lição de Ziller que marcou Lopes se resume a um a frase: “Desmoralizar é verbo reflexivo”. O enunciado, segundo o amigo, foi dito por Ziller a um companheiro do sindicato que se queixava de ser vítima de uma tentativa de desmoralização. "Armando acreditava que só o próprio sujeito é capaz de denegrir a sua imagem, que qualquer desvio de caráter se reflete no indivíduo que a pratica, e ninguém precisa apontá-lo", recordou Lopes. "Não há mais homens como Ziller", arrematou.
Solenidade - A solenidade de restituição simbólica do mandato a Armando Ziller será realizada nesta quarta-feira (18/9/13), no Plenário, e contará com a presença de seus familiares.
Conceitos, expressões e termos usados com frequência